Meus caros seguidores do blog, venho por este meio informar que vai haver uma leve interrupçao no blog. Eu, a autora, estou neste momento no paraíso e, como se depreende, no paraíso a internet é demasiado cara... Aviso também que nao foram subidas ainda as últimas fotos de Valparaíso e de Quintay. Vou tentando apontar no meu moleskine o que é este lugar divino e brevemente, quando possível, escreverei aqui as minhas impressoes e fascinar-vos-ei com as imagens.
Aviso desde já que seguramente nao há outro lugar assim no nosso planeta.
Bem... nao será fácil... Acho que vou começar por plagiar alguém que seguramente sabe infinitamente mais do que eu. "As colinas de Valparaíso decidiram descolar os seus homens, soltar as casas desde o topo para que estas descambassem pelos barrancos (...). Mas as casas e os homens agarraram-se desde as alturas, enroscaram-se, pregaram-se, atormentaram-se, dispuseram-se em vertical, penduraram-se com unhas e dentes de cada abismo. (...) Estas colinas têm nomes profundos. Viajar entre estes nomes é uma viagem que nao termina, porque a viagem de Valparaíso nao acaba na terra nem na palavra. (Logo inumera os nomes das 49 colinas de Valparaíso e diz:) Eu nao consigo andar por tantos sítios. Valparaíso necessita um novo monstro marinho, um octopernas, que consiga percorrê-lo." (Pablo Neruda, Confieso que he vivido - peço desculpa pela traduçao...) Esta é a descriçao ideal da cidade.
Nem pensar que eu, nos poucos dias que aqui estive, consegui conhecer bem Valparaíso. Apenas visitei as colinas mais famosas, visitei a prisao/centro cultural, outra das casas de Neruda, o museu a céu aberto, o porto, o El Plan (zona plana da cidade). E passei alguns dias fora da cidade, visitando a magnífica praia Caucau en Horcón e as suas deliciosas empanadas; ou a casa de Neruda em Isla Negra que me impressionou muito mais do que pensava, pois ontém nao conseguia dormir só a pensar nela; ou o porto baleeiro de Quintay e a sua extinta glória. Enfim... há muito para fazer e para visitar aqui...
Hoje resolvi apanhar o colectivo até Quintay, vila de pescadores a cerca de 30 km de Valparaíso. O colectivo é um taxi (carro) que faz determinados percursos, como se fosse uma espécie de autocarro. Problema: só arranca quando reunir quatro passageiros que tenham o mesmo destino. Resultado: depois de uma longa espera até que aparecessem as restantes pessoas, fiz a viagem no banco de trás com duas senhoras com leve sobrepeso mais uma criança de 10 anos. Quem se lixa é sempre o mexilhao e cheguei a Quintay com as costas levemente desniveladas. Prosseguindo, esta pequena vila foi em tempos um importante porto de captura de baleias. Existe ainda a baleeira onde se subiam as baleias com vários cabos e se esquartejavam, sendo aproveitadas para: carne (muito barata pelos vistos: a única carne que o dono do meu hostel, vindo de uma família pobre, comia quando era criança era a de baleia), margarina, glicerina, velas, sabao, tintas de imprensa, resinas sintéticas, óleo para motores, óleo para tratamento de peles, cosméticos, batons, perfumes, alimentaçao para animais domésticos, produtos farmacêuticos, hormonas e vitamina A! A baleeira de Quintay funcionou de 1943 a 1967, ano em que foi proibida a caça à baleia no Chile, e era a mais importante do país, empregando cerca de 1000 pessoas que trabalhavam por turnos durante todo o ano.
Hoje em dia Quintay mais parece uma vila deserta. Nao se vê ninguém nas ruas, a nao ser no pequeno porto de pescadores, onde há também dois ou três fabulosos restaurantes de peixe e marisco. Almocei num deles uma Paila de marisco, que nao, nao é o mesmo que Paella, como eu pensava, mas segue mais ou menos a mesma lógica. É uma espécie de caldo de marisco, com mexilhoes, ameijoas, caracóis e outros que tais de dimensoes paleolíticas e absolutamente deliciosos.
Cenário idílico e românticamente irreal. A casa de Pablo Neruda en Isla Negra, onde o poeta viveu até à sua morte, juntamente com a terceira esposa Matilde, a quem dedicou "Cien sonetos de amor":
Me gusta estar a un lado del camino fumando el humo mientras todo pasa me gusta abrir los ojos y estar vivo tener que vérmelas con la resaca entonces navegar se hace preciso en barcos que se estrellen en la nada vivir atormentado de sentido creo que ésta, sí, es la parte mas pesada
en tiempos donde nadie escucha a nadie en tiempos donde todos contra todos en tiempos egoístas y mezquinos en tiempos donde siempre estamos solos habrá que declararse incompetente en todas las materias de mercado habrá que declararse un inocente o habrá que ser abyecto y desalmado yo ya no pertenezco a ningún ismo me considero vivo y enterrado yo puse las canciones en tu walkman el tiempo a mi me puso en otro lado tendré que hacer lo que es y no debido tendré que hacer el bien y hacer el daño no olvides que el perdón es lo divino y errar a veces suele ser humano no es bueno hacerse de enemigos que no estén a la altura del conflicto que piensan que hacen una guerra y se hacen pis encima como chicos que rondan por siniestros ministerios haciendo la parodia del artista que todo lo que brilla en este mundo tan sólo les da caspa y les da envidia yo era un pibe triste y encantado de Beatles, caña Legui y maravillas los libros, las canciones y los pianos el cine, las traiciones, los enigmas mi padre, la cerveza, las pastillas los misterios el whisky malo los óleos, el amor, los escenarios el hambre, el frío, el crimen, el dinero y mis 10 tías me hicieron este hombre enreverado si alguna vez me cruzas por la calle regálame tu beso y no te aflijas si ves que estoy pensando en otra cosa no es nada malo, es que pasó una brisa la brisa de la muerte enamorada que ronda como un ángel asesino mas no te asustes siempre se me pasa es solo la intuición de mi destino
me gusta estar a un lado del camino fumando el humo mientras todo pasa me gusta regresarme del olvido para acordarme en sueños de mi casa del chico que jugaba a la pelota del 49585 nadie nos prometió un jardín de rosas hablamos del peligro de estar vivo no vine a divertir a tu familia mientras el mundo se cae a pedazos
me gusta estar al lado del camino me gusta sentirte a mi lado me gusta estar al lado del camino dormirte cada noche entre mis brazos
Pois é, depois de um mês de viagem, a necessidade tornou-se insustentável. Facto para o qual fui alertada antes de partir, de que era essencial um aparelho musical (vulgo ipod ou mp3), e que eu despreocupadamente recusei. Este tipo de novas tecnologias nunca foi do meu agrado... Mas agora, com tanto tempo passado na minha humilde companhia, a música começou a fazer falta. E digo isto porque quando nao estou a passear de um lado para o outro, visitando e admirando, e até porque as pernas nao dao para tanto, o único que podia fazer era ler ou estar na companhia, boa ou má, de outros companheiros viajantes. A compra e leitura de livros tornou-se descabida (já tive de enviar duas caixas para Portugal, e a segunda continha sete livros já lidos!). Os tempos de descanso e de lazer teriam de ser ocupados com outra coisa, que nao televisao e internet, até que se fez luz finalmente e pensei: música! Claro! Que estupidez! E entao lá fui eu tratar da minha necessidade, como antiquada que sou, e procurar um diskman baratinho para comprar. Nao foi fácil porém. Os empregados de pelo menos duas lojas olharam para mim como se eu fosse um extraterrestre ou uma velhinha milenária procurando uma grafonola. "Quieres un diskman??", perguntavam alucinados. É verdade, os diskmans foram banidos da sociedade, dando lugar aos novos aparelhos de alta tecnologia. Dificilmente, lá encontrei um, baratinho. E logo fui comprar cd's. Já tenho quatro! E a sensaçao de estar num autocarro, no quarto sobre a cama cansada de tanto andar, num café ou simplesmente a andar pela rua ao som de uma banda sonora é do melhor! Já agora, explicito as minhas recentes aquisiçoes musicais: o novo de Coldplay para os meus dias melancólicos, embora nao tao bom como os anteriores; uma compilaçao com o melhor de Fito Paez, grande cantautor argentino; um dos álbuns de Jarabe de Palo e outro de La Quinta Estación. Já se sabe: em Roma, sê Romano.
Nas ruas estreitas e inacreditavelmente inclinadas de Valparaíso, sente-se o cheiro do mar. As casas multicolores trepam os inumeráveis cerros, empinando-se umas sobre as outras até perder de vista. Valparaíso é uma alegria para os sentidos. Nao há nada melhor do que deixar o mapa em casa e perder-se pela cidade. Elevadores e escadarias intermináveis brotam em cada esquina, sem nunca se saber onde vao acabar. Graffitis decoram as paredes num autêntico museu ao ar livre. A cada momento se descobre um acolhedor café ou restaurante. Este era um belo cenário para um filme. Cidade sem lógica e que só assim pode ser disfrutada. Nas ruínas de uma antiga prisao, juntam-se bandas a tocar, crianças a jogar à bola e nas celas preparam-se peças de teatro. Um cenário surrealista. Uma prisao a céu aberto transformada num espaço de arte e liberdade. E nao longe, a praia. O Pacífico rebentando sobre a areia num cenário paradisíaco. Dezenas de albatrozes repousando nos rochedos. O cheiro a eucaliptos no ar.
Valparaíso, terra de poetas, cidade do meu coraçao.